Os livros infantis sempre foram presença garantida em minha casa. Mãe de três filhos, hoje adultos, ler histórias antes de dormir embalava os sonhos e aquecia a alma mais do que uma xícara de chocolate.
Com a chegada dos livros infantis de Clarice Lispector uma novidade se instalou. Por detrás das ilustrações, da escrita leve, do bom humor, da brincadeira, essa autora tocava em temas sensíveis, humanos raros em outros livros. Ao ler para meus filhos, me sentia também contemplada e mais do que isso, instigada.
O mistério do coelho pensante (1967), A mulher que matou os peixes (1969), A vida íntima de Laura (1974), Quase de verdade (1978) e Como nasceram as estrelas: doze lendas brasileiras (1987) estão repletos de imagens poéticas, jogos de palavras, nenhuma lição de moral e verdades absolutas. Clarice queria desvendar o mundo fazendo perguntas, dialogando com o leitor, nos levando a um tempo e lugar indeterminado em que animais e humanos são igualmente frágeis.
No livro O mistério do coelho pensante, o animalzinho sai da jaula sem que ninguém descubra por onde e por qual motivo: “passou a fugir sem motivo nenhum: só mesmo por gosto”. O coelho, mesmo de barriga cheia, queria ser simplesmente livre.
Em Quase de verdade, o ovo – tema recorrente em toda a obra dessa autora – entra como um verdadeiro ingrediente de magia. O narrador Ulisses diz: “Oniria é meio mágica também, mas só quando entra na cozinha. Imaginem que com ovo, farinha de trigo, manteiga e chocolate, ela consegue fazer explodir um bolo que é gostoso até para rei e rainha”.
Na A Vida Íntima de Laura, a autora, acolhedora e gentil, está sempre ao lado dos seus leitores: “Agora adivinhe quem é Laura. Dou-lhe um beijo na testa se você adivinhar. E duvido que você acerte!”.
Clarice nos deixou uma obra “infantil’ repleta de curiosidade, descoberta, diálogo. Esforçava-se para manter seu elo com a infância. Em uma de suas crônicas revela: “Quanto a mim, continuo a ler Monteiro Lobato”. Ele deu iluminação de alegria a muita infância infeliz. Nos momentos difíceis de agora, sinto um desamparo infantil, e Monteiro Lobato me traz luz”.
Cristina Mira